sexta-feira, 10 de outubro de 2008

ENTREVISTA DO VISHY ANAND AO "DER SPIEGEL"


Vai realizar-se do dia 14 de Outubro a 2 de Novembro, o Campeonato do Mundo de Xadrez, em que o actual Campeão do Mundo, o GM Indiano Vishy Anand, defrontará o candito ao mesmo título, o GM Russo Vladimir Kramnik.
Esta prova será disputada em Bona, na Alemanhã, e, será certamente seguida atentamente pela comunidade xadrezistica mundial.

Gostaria de presentear os nossos leitores com uma tradução de uma entrevista, que Vishy Anand deu ao conceituado jornal Alemão "Der Spiegel".

Nesta entrevista Anand fala do jogo do título, que irá disputar com o Russo Vladimir Kramnik, acerca do seu treino, na cave da sua casa, no papel das emoções, e, no seu encontro com Bobby Fischer.

"XADREZ É TAL COMO REPRESENTAR"
Entrevista com Viswanathan Anand no "Der Spiegel"

SPIEGEL: Sr. Anand, dentro de duas semanas você tem que defender o seu título de Campeão Mundial contra o Grande Mestre Russo Vladimir Kramnik, em Bona (Alemanhã). Duas semanas atrás você terminou em último no Torneio dos Mestres em Bilbao. isto é um "handicap" psicológico?
Anand: Muito obrigado por ter posto esta questão. Ela faz-me lembrar de John Cleese no "Monty Python". No "Fawlty Towers" um grupo de Alemães visita este hotel, e, adverte o seu pessoal para não mencionar a guerra, para eles. - enquanto ele próprio pode falar acerca de nada mais. Portanto não mencionem Bilbao.

SPIELGEL: Okay, então vamos para Bona. O Campeonato do Mundo será composto de mais de oito jogos, com um possível "tiebreak. Você conhece Kramnik à mais de dezanove anos. Pode ele ainda o surpreender?

Anand: Nós temos vindo a jogar nos mesmos eventos desde 1993. Mas existe uma diferença entre se você conhece alguém, e, se você o entende. Nos últimos vinte anos Kramnik jogou alguns milhares de jogos, e, se você me mostrar uma posição de um deles, em 90 por cento dos casos eu seria capaz de lhe dizer de que jogo essa posição faz parte. Mas ninguem pode concluir disso, que eu possa vêr atravéz dele. De facto eu espero que ele me surpreenda. E vice versa, lógicamente.

SPIEGEL: Como é que preparou o Campeonato do Mundo?

Anand: Eu tenho vindo a estudar Kramnik desde o fim de Abril, para cima de dez horas por dia, aqui, na cave da minha casa, onde tenho o meu escritório. Tenho uma base de dados, e, construo planos de jogo. Tento neutralizar posições nas quais Kramnik é forte. Ele está fazendo o mesmo em relação ao meu jogo, o que eu, evidentemente, tenho em consideração. Deixe-me pôr a questão desta forma: eu tenho de me lembrar de que ele está a pensar, o que eu estarei a pensar acerca dele. Em qualquer dos casos ele está trabalhando à meses, com o computador, tentando encontrar novos caminhos.


SPIEGEL: Os computadores estão a ficar mais e mais importantes. O xadrez passou a ser um jogo de preparação - quem estiver mais bem preparado, ganha?

Anand: Sempre foi o caso. Hoje, nós analisamos os nossos jogos com o computador. No século XVI as pessoas faziam-no com o tabuleiro. Existe sómente uma diferença gradual. A preparação para o Campeonato do Mundo sempre foi uma "corrida ás armas", nos primeiros tempos com livros, depois com os "segundos", e, hoje com os computadores. O computador é um excelente parceiro de treinamento. Ele ajuda-me a desenvolver o meu jogo.

SPIEGEL: Mas, se o xadrez se tornar num jogo de computador, e cada movimento for calculado pela máquina, então não é o ser humano simplesmente a mover as peças, e, não será que cada jogo terminará em empate?


Anand: Não. Actualmente eu sou sempre pessimista. À dez anos atrás eu disse que 2010 seria o fim do xadrez, que o xadrez estaria esgotado. mas não é verdade. O xadrez não morrerá tão depressa. Ainda existem muitas salas na casa, que ainda não entramos nelas. Isso acontecerá em 2015? Penso que não. Por cada porta que os computadores fecharam, abriram uma nova.

SPIEGEL: O que quer dizer com isso?

Anand: À vinte anos atrás nós faziamos coisas, que hoje já não funcionam devido aos computadores. Nós tinhamos por hábito de utilizar o "bluff" nos jogos, mas hoje os nossos oponentes analisam-nos com um computador, e, reconhecem-nos, numa fracção de segundo, sabendo de imediato o que estamos a fazer. os computadores não seguem os truques. Por outro lado, podemos seguir uma preparação muito mais complexa. Nos últimos anos, existiram jogos espectaculares, que não seriam possíveis sem os computadores. A possibilidades de jogar certos lances, nunca nos teria ocorrido. ´É identico à astrofisica O trabalho deles poderá não ser tão romantico como o foi outrora, mas eles não poderiam ter obtido progressos tão grandes, com lápis e papel.

SPIEGEL: Normalmente continuamos a ouvir rumores de jogadores que secretamente usam computadores, durante os seus jogos. Isto é batota. Estão os génios fora da lâmpada?

Anand: É uma ameaça com a qual temos de viver. Eu tenho sido contolado com detectores de metais antes de começar um jogo. No início, foi um choque para mim, dado que eu cresci numa era inocente, nos desportos. Mas a tecnologia desenvolve muito depressa. Alguem pode estar sentado num local romoto, seguindo um jogo com um computador, e, enviando informação para um jogador. Os aparelhos receptores ficam cade vez menores, e, o número de batoteiros tem vindo a aumentar. Nós temos que tomar medidadas. Temos uma regra, que seu telemóvel toca durante um jogo, você perde. isto é duro, mas tem de ser implementado. A alternativa seria permitir usar computadores durante o jogo.

SPIEGEL: Isso seria como legalizar o doping.

Anand: Eu penso que isto não é doping. isto é uma forma diferente de jogo. Mas o xadrez deveria continuar a ser um concurso de poder entre dois seres humanos.

SPIEGEL: Qual é o papel das emoções?

Anand: Ela é decisiva. No momento em que você se apercebe que cometeu um erro, é muito mais terrível do que pode imaginar. Você tem que manter o controlo das suas emoções. O xadrez é uma forma de representar. Se o seu oponente se apercebe da sua insegurança, ou, do seu aborrecimento, ou da sua tristeza, então você está a aumentar a sua coragem. Ele tomará partido da sua fraqueza. A confiança é muito importante - mesmo fingindo estar confiante. Se você comete um erro, mas não deixa que o seu oponente se aperceba no que você está a pensar, então ele pode nem se aperceber do erro cometido.

SPIEGEL: Você é bom a ler na face dos seus oponentes?

Anand: Normalmente as faces deles são completamente calmas, e, sem paixão. A excepção era Garry kasparov, contro quem eu joguei um Campeonato do Mundo, em Nova Iorque, em 1995. Ele era um livro aberto. O que eu procuro fazer é escutar a respiração deles.

SPIEGEL: Você escuta o seu adversário a respirar?

Anand: Se a respiração for profunda ou curta, rápida ou lenta - isto revela muito acerca do grau da sua agitação. Num "match" que dura um mês, mesmo um limpar da garganta pode ser muito importante. Incidentes podem também ser importantes: Teve o seu oponente uma discussão com a sua esposa? Se ele estiver ocupado com assuntos pessoais, não pode estar tão concentrado como é usual.

SPIEGEL: Você usa truques psicológicos?

Anand: Não.

SPIEGEL: O que é que você acha mais perturbador?

Anand: Quando o meu oponente consegue virar o jogo. Às vezes é quase libertador quando você finalmente perde. Eu penso para comigo, okay, este ponto já foi, amanhã vou jogar melhor. Durante o Campeonato do Mundo você tem que ter cuidado para não cair em pânico. Isso ocupa a sua mente quando você vê o seu oponente ao pequeno-almoço. Estará ele relaxado? Tenso? Temos uma estranha obcessão. Eu, e, o Kramnik estaremos alojados no mesmo hotel, em Bona, mas em alas opostas. Actualmente gostamos um do outro, mas demorará algum tempo até que troquemos algumas palavras.


SPIEGEL: Você consegue desligar, à noite, durante tais competições?


Amnand: É difícil relaxar sem ter sentimentos de culpa. Eu pergunto-me a mim próprio. Eu não deveria estar trabalhando? Mas, você tem de relaxar, caso contrário você não pode jogar bem. A experiencia ajuda-nos a encontrar o equilibrio adequado. Eu tenho que vêr filmes antigos do Hitchcock de forma a poder dar descanço ao cérebro.


SPIEGEL: A sua "alcunha" é "Tigre de Madrassas". mas você não é considerado como sendo um predador no tabuleiro. Alguns especialistas dizem que a si falta-lhe o instinto "matador" (killer instict). Eles têm razão?


Anand: A questão do tigre foi uma invenção de alguns jornalistas, que provavelmente não se lembraram de outro animal Indiano. Normalmente eu evito o conflito, e, não sou certmente um "assassino" como o Kasparov. Este não é o meu estilo. Estou habituado a mover-me em ambientes pacíficos. Cresci no meio de uma família onde os valores sã,o muito importantes.


SPIEGEL: Você é um "Bramane", e, pertence à mais alta casta Hindu. Você aprendeu a jogar xadrez com a sua mãe, quando você tinha seis anos. Diferentemente dos prodígios Russos, você não era sistemáticamente treinado. Gostava de ter ido para alguma escola especial de xadrez?


Anand: Não. Isso não me teria ajudado muito. Eu teria perdido o divertimento. Eu teria de ter permissão para jogar xadrez produzindo bons resultados na escola. Algumas vezes não poderia jogar durante um mês, e, estaria a morrer por voltar e ficaria muito feliz quando pudesse jogar um torneio de novo. isto teria em mim uma grande influência. Depois do liceu, eu estudei economia de negócios, porque tinha medo de ficar um "maluquinho" do xadrez.


SPIEGEL: O Americano Bobby Fischer, que morreu no início deste ano, era um maluco do xadrez, paranoico, misantrófico. Você encontrou-se com este génio do xadrez, dois anos e meio atrás, na Islandia, onde ele vivia exilado. Como é que isto aconteceu?


Anand: Eu joguei um torneio em Reykjavick, e, o Grande Mestre Islandes, Helgi Olafsson perguntou-me se eu estaria interessado em encontrar-me com o Bobby Fischer. Olafsson apanhou-o no seu apartamento, enquanto eu esperava no automóvel. Fischer, provávelmente, queria evitar que eu visse em que apartamento vivia.


SPIEGEL: Acerca do que é que falaram?


Anand: Fischer disse-me que às vezes andava à volta de Reykjavik de autocarro, de forma a conhecer a cidade. Ele reclamava que não encontrava bálsamo Indiano (Amrutanjan), na islandia. De repente ele queria ir a um Mac Donalds. Então lá estava ele, esta lenda do mundo xadrez, perguntando-me se eu tomava ketchup.


SPIEGEL: Vocês falaram de xadrez?


Anand: Concerteza. Estavamos a pé a conversar num parque, e, Bobby puxou de um velho tabuleiro de xadrez de bolso, e, analisamos um par de jogos entre Anatoly Karpov, e, Viktor Korchnoi, em 1974. Ele queria provar que todos os jogos do Campeonato do Mundo, depois da sua vitória, eram pré-arranjados. Ele não me convenceu.


SPIEGEL: Porque é especificamente que Fischer o quis encontrar?


Anand: Talvez ele sentisse alguma afinidade. Nós somos ambos de países em que o xadrez não era muito popular, até ao nosso aparecimento. Eu não sou Russo, e, Fischer setiu-se perseguido pelos sovietes, no passado. E existe evidencia, provando que, os Grande Mestres soviéticos, actualmente são contra ele.


SPIEGEL: Fischer propôs uma nova variação do jogo, a qual é chamada Fischer xadrez "random". Ele queria que as peças, na posição de partida, fossem sorteadas antes de cada jogo. isto não seria uma forma de xadrez mais creativo?


Anand: Eu não apoio muito o sistema "random" de peças. Isto é talvez, alguma coisa para gente que antes era activa, e, que agora tem pouco tempo. Eles não querem estudar a teoria das aberturas. Mas os sistemas das aberturas fazem parte do xadrez.


SPIEGEL: Alguns jogadores de topo ficaram loucos durante as suas carreiras, como o Austriaco Wilhel Steinitz, o primeiro campeão do Mundo reconhecido. Isto é um risco profissional?


Anand: Você precisa de ter uma vida separada do xadrez, então não existe qualquer risco. Você tem que ter outros interesses. Mas não exitiram muitos que tenham sido sériamente afectados. Sómente que eles vieram a ser conhecidos do grande público. Tenho a certeza que existem tantos médicos loucos, como motoristas de autocarros.


SPIEGEL: Você tem agora 38 anos, o que significa , como um profissional de xadrez você está próximo de se retirar. Por quanto tempo mais, você se vai manter a jogar?


Anand: Enquanto conseguir me manter no topo. No momento, sinto-me muito bem. Os meus melhores anos foram os últimos três. Mas está claro que, os jogadores de xadrez estão a aparecer cada vez mais jovens.


SPIEGEL: Nos tempos mais recentes o Noruegues Magnus Carlesen tem aparecido nos títulos informativos. Ele tem 17 anos, e, no princípio do mês foi, por cinco dias, o número 1 no ranking mundial, não oficial. Quanto bom é que ele é?


Anand: Brevemente ele será Campeão Mundial. Eu gosto dele. Ele é um fã do "a Monty Pyhton", tal como eu.


SPEIGEL: Existem rumores que ele será o seu "segundo" para o Campeonato do Mundo contra o Kramnik.


Anand: É um rumor que eu também ouvi. Talvez exista alguma verdade nele. Talvez não. Deixe o Kramnik adivinhar. Deixe-o ocupar a sua mente com esta questão. Isto faz parte do jogo psicológico, antes deste tipo de "match". Quando você sabe quem faz parte da equipe do seu adversário, você pode imaginar o que ele está planeando. Portanto, não revelarei nada.


SPIEGEL: Sr. Anand, nós agradecemos-lhe por esta entrevista.


A entrevista foi conduzida por os editores da Spiegel Ansbert Kneip & Maik Grossekathofer. Podem encontrar a versão original, em Alemão, no magazine do Der Spiegel, e, no Spiegel Online.


Translation by Afonsov

Sem comentários: