Banho de cultura nas riquezas do Demo
21-09-2009
Programa melhorado espontâneamente encantou meia centena do MC Porto
Acima das expectativas! A região da Beira que Aquilino Ribeiro tão bem descreveu em 1919 continua tal como na pena do escritor. Os encontros e momentos espontâneos que se iam deparando aos olhos da caravana de 53 mototuristas em 30 motos durante o fim-de-semana de 19 e 20 de Setembro de 2009 ficaram bem registados na memória de todos e foram a cereja no cimo de um programa muito cultural e rico. Foi o Passeio Lidergraf às Terras do Demo, região onde “El-Rei nunca passou em caçadas” mas o MC Porto passou. E divertiu-se. Muito! E que banho de cultura tiveram os mototuristas do MC Porto! Para além das quatro visitas guiadas do Programa – diversificado e sempre seguido com pontualidade – os populares de aldeias como Pendilhe ou Fonte Arcada desdobravam-se em mesuras e ofertas do seu tempo, mostrando e encaminhando os motociclistas que lhes caíam do céu e empanturravam os lugarejos com dezenas de motos. Foi assim todo o fim-de-semana, sem tempos mortos mas muito relaxe. O sol ajudava, a alegria do grupo - maduro mas alegre - unia a caravana e momentos como os passados nas margens da albufeira de Vilar não se esquecerão nas próximas décadas. Passemos ao relato cronológico:
A que propósito Cristo romperia alí sandálias?Pontualmente - uma constante durante os dois dias - a caravana arrancou da sede do clube no sábado de manhã. Ou antes, meia caravana, já que muitos compinchas vinham de Braga, Cabeceiras, Paredes e Vila Real engrossando a comitiva ao longo dos 80 km até Mesão Frio. Aqui sim, num espaço amplo e sossegado da vila duriense se juntou a meia centena de mototuristas, com o “desorganizador-mor” Ernesto a investir numa brifalhada que viria a dar frutos. A caravana nunca se partiu ao longo de todo o fim-de-semana! E mais, se alguém ainda não sabia ao que ía, não ficaram dúvidas de que iríamos visitar uma região fora de rota, dura, áspera e austera mas onde os habitantes arregaçaram mangas e fizeram brotar cereal, frutos e pasto das pedras. E foi com curiosidade que as motos desceram à Régua e subiram a Bigorne. Aí, os primeiros contactos com as gentes, em ritmo lento mas sem parar. Monteiras, Cujó e S. Joanino. Um pastor numa mula, olhares detrás dos canastros, um jumento aqui, outro acolá. E Pendilhe recebeu a primeira pausa do programa. Numa ruela, um grupo de mulheres fugiu assarapantado quando percebeu os nossos faróis. Mas aos primeiros sorrisos dos motociclistas, que passavam quase parados e a ronronar, mudou de atitude. Elas, de lenço à cabeça, até palmas bateram! Os canastros de Pendilhe, muitos, ficaram emoldurados pelas motos, no momento em que passava uma carroça puxada por alimária. O dono acedeu, duas senhoras de trajos típicos também e sai logo na hora uma foto de grupo. Espectáculo. A D. Lucília abriu canastros para os motociclistas e contou partes de uma vida agreste e pesada. Mas sempre bem disposta. Referiu até que não podíamos deixar de ver a “Casa dos Mouros”, construção “feita por estes”. Ora a senhora referia-se à Orca de Pendilhe, monumento megalítico com mais de 5000 anos e que já estava no programa do MC Porto e para onde rumamos de seguida. As motos cruzaram com ligeireza os mil metros de terra batida até disciplinadamente – outra boa constante – se estacionarem no isolamento da serra da Nave, diante da construção granítica, enorme e pesada. Passa nessa altura um tractor carregado de abóboras. Ficou bem na foto e os seus lavradores receberam uma salva de palmas. E, atónitos, os motociclistas presenciaram de seguida a passagem de duas pessoas saídas dos contos de Aqulino. Senhor e senhora de idade, em pequena carroça precedida de uma cabrinha, deixaram a caravana quase muda. O seu ar, simpático mas de outros costumes, recuava-nos ao séc. XVIII... As Terras do Demo começavam-se a justificar. E o Ernesto identificava mais uns cagalhotos de raposa, com caroços de cereja, para quem ainda não o conhece e lhe dá tempo de antena...
Ambiente medievo abre o apetite
A pureza da serra enchia os pulmões e os motociclistas aproveitavam estas pausas para recordar viagens e trocar experiências. Já em marcha, Vila Cova à Coelheira e o rio Covo ficaram na rota para chegarmos à hora a Vila Nova de Paiva onde se almoçou ao ar livre. Afinal era o último sábado de Verão. Mas ainda era Verão. As nuvens afastaram-se e o tempo mostrava-se aprazível. O Sr. António do restaurante Malhadinhas carregou no grelhador e foi uma pândega à mesa, comprida sob o telheiro. A família Rocha, junta com os casais Cerqueira e Seca-Adegas não dão descanso. Ao ritmo das gargalhadas cristalinas da Elisabete comeu-se e bem. Ficamos clientes.
Momentos fantásticos na topiária
Mais uma brifalhada ao café e rumou-se a sul, para uns sete quilómetros até ao Parque Botânico Arbutos do Demo onde a paciente Alexandra Campos nos esperava. A jovem botânica, boa conhecedora dos segredos das quase mil espécies de plantas, flores, arbustos e árvores destes antigos viveiros da JAE teve de aturar meia centena de amigos bem almoçados. O Zezé estava imparável. Mas a Alexandra esteve bem e toureou as diabruras. Muito bom foi o momento na topiária, espaço quadrado de cedros brancos, altos e cuja ramagem proporciona uma acústica fora de série no interior desta espécie de sala arbórea. Visitamos laboratórios e ateliers e, essencialmente, muitos jardins e bosquetes, com árvores centenárias onde se destacavam os liquidambares, liriodendros, abetos, pseudotsugas e os mais comuns e nossos castanheiros, carvalhos-roble, vidoeiros e medronheiros. Indiferentes a tudo o que se aprendia, as tricotadeiras do grupo revelavam-se. Para a próxima o desorganizador-mor leva esparadrapo.
Turismo em Segões
De novo na estrada e já virados a norte, mal se aqueceram os motores. Pouco depois já se estacionava junto ao rio Paiva (ainda bebé) na Praia Fluvial de Segões. O Sr. António Santos, presidente da junta local mostrou o espaço e levou a comitiva aos moinhos que o próprio requalificou para espaço de Turismo Rural. Viemos embora com os contactos e ideias para fins de semana na Natureza e longe do bulício. E uns minutos depois arrumavamos as motos na eira da aldeia da Beira Alta com mais canastros. Só em redor estavam 22. Diferentes dos de Pendilhe, estes eram pintados de ocre e com telhados mais curtos. Agradecemos ao anfitreão que já não se pode recandidatar. Já leva 20 anos de Junta. Obrigado!
O espólio de Aquilino
A tarde ainda tinha mais para ensinar, nesta rota mostrada em 2004 pelo Clube Varadero de Portugal. Após Segões e um circuito na aldeia de Pêva, as motos alinharam em Soutosa, aldeia onde Aquilino Ribeiro viveu e aí se edificou a sua Fundação. O escritor, considerado o mais fecundo do início do séc. XX, coleccionou imensas obras de arte, pagã e sacra. Há para todos os gostos na bonita casa granítica rodeada a tílias. Até uma colecção de silícios está exposta. Eram aqueles pequenos chicotes usados nos mosteiros há uns séculos, com que monges e frades se autoflagelavam. Manufacturados com requintes de malvadez... Passando a outras cores mais agradáveis, vimos originais de Almada Negreiros, Stuart de Carvalhais e Rosa Ramalho, por exemplo. Bem como originais e escritos de Aquilino com emendas suas, as canetas, o ex-líbris... Foi uma hora interessante, somada com a saltada à casa do caseiro, mini-museu rural, para não nos esquecermos da agreste vida do campo. Saímos ao pôr-do-sol, de barriga cheia de ensinamentos. Moimenta da Beira já estava a um pulo e terminou-se o dia nas residenciais com apenas 200 km feitos. Esta Beira Alta fica a dois passos. Jantarada animada e serão pacífico encerraram o sábado. O domingo prometia e ninguém se perdeu na noite de Moimenta.
As malandras das freiras
Sol radioso e temperatura excepcional para o mototurismo brindaram a serra de Leomil e o vale do Távora no domingo, 20 de Setembro. Sempre ao minuto, as motos alinharam diante da Biblioteca Aquilino Ribeiro, no centro da vila. E às 9.30h, Dalila Dias começava longa e interessante explicação de todos os porquês de Moimenta. A funcionária do Turismo local, bonita e motociclista também, revelou-se profunda conhecedora da História e excelente guia. A manhã começava bem, até com a chegada dos casais Falcão e Boina, este último em duas Harleys... Assim, a Fernanda do Jaime Correia deixava de ser a única condutora do evento. As tricotadeiras não conduziam mas falavam à brava durante as explicações da guia. Para além do esparadrapo, para a próxima na moto do desorganizador-mor vai também um espantalho e mata-moscas... Estivemos no Mosteiro Beneditino, moradia de freiras de clausura. No entanto, tinham um túnel de quatro quilómetros de ligação ao convento dos frades! Fomos então ao interior da biblioteca (bem apetrechada) e demos um giro pelas ruelas da vila onde se destaca a “Casa do Carrasco” casinha quinhentista e de fachada invulgar. E a Dalila ía falando de outros pormenores vindos a propósito e que nos iriam influenciar, e bem, à tarde e quem sabe em futuros passeios. Despedimo-nos com amizade e já fora de horas pois a volta em Moimenta esticou-se. Mas não havia ninguém preocupado com isso.
Pé no rio
Finalmente nas motos, descemos silenciosamente pela aldeia de Vilar e barragem com o mesmo nome que represa o Távora. Avisados, os mototuristas entraram pelas margens da albufeira, percorrendo o estradão imerso ao longo das águas. Que visão, as 30 motos a rolar naquele espaço! Estacionadas junto à água e com condutores e passageiros leves e a pé, foi hora da melhor descontração do evento. Nem apetecia de lá sair. O Távora estava morno, o sol aquecia a alma, as fotos eram em catadupa. E a manhã ía correndo.
De branco em Fonte Arcada
Consoladinhos subimos a Fonte Arcada, por quelho entre pomares e as tais fontes em arco, vetustas mas ainda de pé. A aldeia é do tempo da fundação do Reino de Portugal. O Távora dividia o Condado Portucalense das terras de Leão e já rolavamos em solo que há 1000 anos obedecia aos leoneses. Com um ligeiro engano entre casinhas de pedra de vistas fabulosas para a albufeira, a caravana inverteu a marcha e perdoou ao “desorganizador-mor”, quedando-se no centro de Fonte Arcada. O Sr. Afonso e o Sr. Fonseca acercaram-se logo dos mototuristas e, de modo espontâneo já um levava um grupo para a igreja e outro trepava com outros ao “castelo”. Excelente, esta pausa na aldeia monumental, de paços antiquíssimos, brasões e pelourinho. A torre do relógio está de facto num miradouro de truz. 32 elementos da comitiva envergam as t-shirts brancas do clube e justificou-se a foto só com estes. Ficou gira! Era desumano cortar o bom momento que se vivia. E dessa forma, anulou-se a subida à Sta Águeda de forma a recuperar os alongamentos das visitas. Sempre em “tatoo militar” as motos fizeram a última paragem junto ao pelourinho da Vila da Rua, monumento nacional, para a foto de grupo. As tricotadeiras - o que lhes vale é que são divertidas - aproveitaram para surripiar mais umas uvas (por onde o clube passava era uma vindima...) e seguiu-se finalmente para o almoço final, no bom restaurante da Residencial Pico do Meio Dia, aberto de propósito para nós.
Queremos passear mais
Almoçarada que terminou em beleza... o programa oficial do Passeio Lidergraf às Terras do Demo. É que o dia estava tão bom e a comitiva tão bem disposta que ninguém quis ir directo para casa. Resultado, pouco depois já todos estavamos na Ponte-torre de Ucanha. E dentro dela! Os donos do café sobranceiro a este monumento único do país, no vale do Varosa, são os fiéis depositários da chave e foi excelente podermos subir às varandas da torre em que os monges de Salzedas cobravam portagem a quem quisesse passar pela sua coutada.
Na judiaria de Salzedas
A boa disposição mantinha-se (vejam as fotos) e o sol convidava a alargar o passeio. Vai daí, a maioria ainda continuava com a sede de conhecer. Influenciados pelas palavras da Dalila, uns 30 mototuristas ainda se esticaram a Salzedas à procura do “labirinto dos judeus”. Explicamos. Na época medieval, os judeus não podiam viver sossegados, sempre acossados pelos cristãos. Construíam então as suas casas de forma complicada com ruelas manhosas de modo a dificultar qualquer possível perseguição. E Salzedas ainda possui becos que sobreviveram aos séculos. Desta forma, lá arrancamos agora atrás do João Paulo Fonseca, terminando a marcha diante do Mosteiro, que se visitou, tal como aos seus claustros, muito arruinados. Mas tudo em grande! A pé, finalmente entramos atónitos no tal “labirinto”. Não sabíamos existir algo assim em Portugal. Não é grande nem ninguém se lá perde mas os passadiços de madeira e a arquitectura é realmente fora de série. Mas está tudo quase a cair. Oxalá se lhe deite a mão rapidamente. Já estavamos quase nas 18.00h e não se podia continuar mais na ronda cultural. Entre o habitual trânsito da Régua regressamos em grupetos e sem pressas. Que grande fim-de-semana! Muito obrigado a todos pelos intervenientes.
Fotos de seguida.
E se quiserem ir espreitando os bonitos clicks do Zagallo (que canta melhor que um Galo) vasculhem o link: http://jzagallo.no-ip.com/mcp-terrasdemo/ Ou então, grandes retratos e os momentos mais hilariantes pela objectiva do José Manuel Santos, mais conhecido por Zezé, o Bracarense: http://picasaweb.google.pt/jmanuelsantos/TerrasDeDemoMCP
FOTOS SELECIONADAS:
Sem comentários:
Enviar um comentário